Hunter Thompson e seu contestável ato político. O que virá para questionar o jornalismo depois de su
- Márcio Júnior
- 13 de out. de 2016
- 3 min de leitura
Morreu aos 67 anos, Hunter Thompson, jornalista e escritor norte-americano. Segundo a polícia, Thompson suicidou com um tiro na cabeça enquanto conversava com sua mulher pelo telefone. O suicídio aconteceu em sua casa em Woody Creek, no estado do Colorado, EUA.
Pelo telefone, reclamava da vida. Antes de morrer deixou um bilhete, em que dizia: “Chega de jogos. Chega de bombas. Chega de caminhar. Chega de diversão. Sessenta e sete. São 17 anos além dos 50. Dezessete a mais do que eu precisava ou desejava. Chato. Sou sempre desbocado. Sem diversão – para ninguém. Sessenta e sete. Você está se tornando mesquinho. Assuma sua idade avançada. Relaxe – isso não vai doer”.
Para o funeral, seu corpo será cremado e lançado em um foguete, como foi pedido pelo próprio Thompson, antes de falecer. O amigo e ator Johnny Depp, que já protagonizou o jornalista no filme Medo e Delírio em Las Vegas, irá organizar a cerimônia.
Como falar da prática de uma profissão que se mostra contemporânea e vanguardista? Thompson, na medida em que conectava elementos paradoxais, contestou a realidade presenciada, não apenas como testemunha, mas reivindicou as ordens "naturais" do sistema. Poderíamos dizer que Thompson tinha um hábito de questionar o sistema. Observou, analisou, questionou, falou, mobilizou, provocou; o pretérito perfeito poderia indicar que a ação se tornou obsoleta, mas pelo contrário, sempre estava questionando as regras desses sistemas. Ele se fez presente e projetou para o futuro.
Graças a suas confissões nas páginas da revista Rolling Stone vimos um estilo surgir com força. As palavras mostraram como os acontecimentos se misturavam com a ficção. Ora claro, ora inconstante, mas nada ordinário. Contestou a margem da linha que divide os opostos da objetividade e subjetividade. Tornou imantados elementos indissociáveis, misturou todos em um caldeirão que resultou em um amálgama.
Nós, da Pauta, fazemos oposição, porque a profissão precisa ser militante da democracia, resistente e desobediente. Na contemporaneidade, as grandes empresas de comunicação acovardam os funcionários, trabalham numa tentativa de "alinhar as informações", mas censuram a forma de expressão. A proposta dessa revista, assim como de Thompson, é de democratizar a opinião, ser parcial, debater a ética e diminuir as injustiças. Em meio a autoconsciência da revista e textos opinativos de vários jornalistas, percebemos a necessidade crítica de sensibilizar o público, não nos fechando em uma bolha, não esquecendo do que nos move para contar histórias.
A revista sempre se volta para as discussões sociais vividas no País. Não por acaso, esse ambiente cheio de injustiças refletiu na personalidade de Hunter Thompson. No começo da carreira, o jornalista passou pela América do Sul, testemunhou situações de marginalização indígena, ditaduras, extrações dos recursos naturais e miséria. Segundo Francisco Quinteiro Pires, da Carta Capital, após a experiência "tornou-se ácido e pessimista".
Quando chegou ao Rio de Janeiro, na década de 1960, o primeiro contado foi de encantamento e sossego. No livro Reino do Medo, disse que a cidade era o melhor lugar do mundo para ficar perdido, enquanto o mundo estava sob tensão pela Crise dos Mísseis em Cuba. Mas logo percebeu a realidade e disse: “Eu não os culparia se eles se revoltassem contra quase tudo e em nome de qualquer partido ou ismo que oferecesse as condições para a revolta”.
Segundo a Carta Capital, as reportagens enviadas sobre o Rio de Janeiro tratavam, em sua maioria, da instabilidade político-econômica brasileira. Antes da ditadura já especulava sobre a deposição do presidente João Goulart. Disse: “Uma revolução, mesmo uma sem armas, provavelmente viria de dentro das Forças Armadas”. E completou: “Além disso, ela seria bem-sucedida. O presidente não tem a maioria dos militares a seu lado para sobreviver a um confronto.” Previa um futuro parecido com o dos países vizinhos do Brasil.
A militância que promove a discussão acerca da profissão permeia a estrutura dessa revista. Sem Thompson, seria improvável a presença do estilo opinativo e argumentativo na Pauta. O estilo que nós escrevemos se assemelha com muitos textos de Thompson. Existe a influência do consagrado estilo de que quem sobrevive é o último homem de pé depois de uma bebedeira. A oposição levanta a bandeira do jornalismo. Thompson será sempre vanguardista, não importa o tempo. Os últimos que ficarem de pé irão se espelhar na sombra do questionador de sistemas.

(Foto de The Rum Diary)
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